De Luanda para Sampa, ela agora voa por si

Vicilia, ex-acollhida do SAICA 1, com Rosangela, a gestora do serviço: ela trabalha, cursa Enfermagem e mora com Café e Tequila, seus dois cachorros

Quem vai ao quiosque de cocadas Vó Nena e se depara com o sorriso largo da vendedora Vicilia Mambote não imagina os desafios que essa jovem de 24 anos já transpôs. Aos 13 anos, ela aterrissou em São Paulo com uma tia e primos deixando seu país natal, Angola, mãe e irmãos. Sem ter para onde ir, ficaram em situação de rua, e não demorou para a adolescente se ver totalmente sozinha e sem apoio pelas vias do Brás, no centro de São Paulo. Sofreu vários tipos de violência.

O Conselho Tutelar, ao tomar ciência da situação da adolescente, encaminhou-a para um acolhimento institucional. “Mas eu evadia”, conta a jovem. “Não queria me submeter à nenhuma regra, tinha medo de encontrar pessoas agressivas.” Após idas a e fugas de algumas instituições, Vicilia chegou com 15 anos em um dos serviços de acolhimento da Casa da Criança e do Adolescente de Santo Amaro (CCASA), o SAICA 1, seu lar até os 18 anos, idade com a qual o desacolhimento é compulsório. “Ali me senti acolhida, tive escuta, apesar de não saber expressar de forma adequada o que me incomodava e doía. Fui encaminhada para receber atendimentos médico e psicológico. Algumas vezes, eu tinha surtos de fúria. Certa vez, por conta de a gestora do acolhimento (Rosangela Oliveira) ter me proibido de tomar suplementos, fiquei fora da casa por cerca de uma semana”, relata. “Tiveram muita paciência comigo, não desistiram de mim”, conta ela, hoje até capaz de rir da situação.

Além do apoio dos educadores e da equipe técnica do SAICA 1, a garota contou com Maria Teresa Bleuler Franco, psicóloga voluntária que a acompanhou por quatro anos, sendo dois deles quando a jovem já havia sido desacolhida. “Ela foi muito importante em minha vida, fico até emocionada ao falar. Com a ajuda dela, consegui enxergar que eu poderia trilhar outro caminho, que eu não precisava ficar fugindo ou me submeter a situações de violência. Ainda nos falamos eventualmente”, relata.

Hoje, Vicilia mora com Café e Tequila, seus dois cachorros, trabalha e cursa Enfermagem. Ao concluir o Ensino Médio, tentou ingressar por algumas vezes no Ensino Superior, mas teve de desistir porque seu pedido de refúgio foi aceito pelo governo brasileiro apenas em 2023. Ela não tem vontade de retornar para Luanda, cidade em que morava e onde estão seus 11 irmãos e a mãe. “Falo pouco e esporadicamente com ela e conheço apenas quatro de meus irmãos. Por conta da cultura, sei que se eu voltasse haveria pressão para eu me casar, e isso não está nos meus planos”, explica.

As lembranças do tempo no SAICA 1 são muitas. De festas, passeios, churrascos a algumas tretas com outros adolescentes acolhidos. “Certa vez, eu e a Thalyta brigamos por conta de espaço no armário. Somos amigas até hoje, mas nesse dia eu joguei o guarda-roupas em cima dela, acredita? Tenho contato com outros que moraram comigo naquele tempo, o Tiago, a Camila… Estou bem, sei que sou capaz de conduzir minha vida. Para os que são mais jovens do que eu, tenho consciência de que posso ser uma referência, e por isso aconselho: aproveitem as oportunidades que a CCASA oferece, estudem, informem-se e acreditem que vocês podem!”

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